A ABED contabilizou cerca de 1 milhão de matrículas

EAD, em 2014, do fundamental à pós-graduação.

É quase o dobro em relação a 2013 e

quase nove vezes mais do que cinco anos atrás.

como está a oferta e a demanda de ensino online

no brasil? em que áreas mais avançou?

Stavros – A alavancagem maior foi nas graduações.

Tanto a graduação tecnológica quanto a

graduação plena, nos últimos dez anos, foram

responsáveis por quase dobrar o número de

matrículas EAD. O último Censo do Ministério

da Educação (MEC) mostra mais ou menos 1/3

das matrículas em ensino superior para cursos

online. Mas também surgem muitos cursos online

livres, principalmente corporativos. Além

disso, o ensino a distância é uma oportunidade

para ampliar o ensino técnico. O Censo Abed

indica que 41,8% dos cursos ofertados são de

caráter profissionalizante, formações técnicas.

 

Mas EAD funciona para aprender conteúdos práticos,

mão na massa?

Stavros – Um exemplo concreto: eu quero treinar

alguém em soldagem, uma atividade de alto

risco, perigosíssima. A pessoa tem de ter os padrões

de segurança em primeiro, segundo e terceiro

lugar. Com os recursos digitais, podemos

simular a manipulação da solda com fidelidade

às características do ambiente real. Um soldador

pode se preparar em um laboratório virtual

sem se queimar, sem sofrer um acidente grave

que pode comprometer até mesmo sua carreira

profissional, sem desperdiçar material. Aí, depois

que ele fizer essa etapa, a um custo super baixo,

então ele vai para a atividade na prática.

O que eu quero dizer com isso é que EAD não

tem de ser 100% virtual.

 

Há uma medida recomendável da proporção de

atividades virtuais e presenciais?

Stavros – Não tem receita. O importante é o processo

de curadoria. A primeira pergunta a ser

respondida é “qual a pedagogia adequada para

garantir que a pessoa estará apta a executar tal

tarefa?”. Por exemplo: conheço currículos de

graduação de biologia que não exigem trabalho

de campo. Isso não faz sentido. Em algumas

áreas, a proporção entre virtual e presencial

vai ser meio a meio; em outras, 30% e 70%.

É preciso construir o modelo pedagógico, que

vai depender daquilo que a gente quer como

resultado da aprendizagem. Essa curadoria é

fundamental: o quanto usar a tecnologia em um

modelo sustentável para atingir os objetivos.

 

A lei obriga a ter atividade presencial nem que

seja para a avaliação, não é?

Stavros – Sim, hoje é assim. Não que falte tecnologia

para suprir essa necessidade. A presença

virtual, que poderia simular uma reunião, ainda

não é economicamente viável para eliminar a

sala de aula. Aliás, isso já existe, aqui no Brasil,

com equipamentos chamados de telepresença,

que mostram o interlocutor em tamanho real e

alta definição, sentado na sua frente. Eu participei

de uma dessas sessões e depois de dois

minutos de conversa não me ligava mais no fato

de que as pessoas não estavam ali em carne e

osso. É uma tecnologia mais sofisticada que a

da videoconferência. Só que isso tudo ainda é

caro. Então, a tendência é surgir ambientes de

construção, estudo, desconstrução e discussão

do conhecimento, apoiados por um professor

ou um tutor. Nesses ambientes se prepararia os

alunos para um momento de alto valor agregado,

o encontro presencial, diminuindo sensivelmente

a necessidade de encontros presenciais.

 

No início do EAD, a interação no ambiente virtual

gerava enorme polêmica. O aluno ou o professor

ainda se assustam com isso?

Stavros – O aluno, não. O professor, sim. Porque

no presencial puro – e eu falo isso porque sou

professor – só Deus e o professor sabem o que

está sendo dito dentro da sala. Então, o sistema

virtual gera um problemão, pois não tem como

esconder a qualidade do seu trabalho quando

você prepara uma discussão e fala para os alunos

olha, o texto está lançado, vocês têm de estudar

tal objeto de aprendizagem, e depois vão

fazer um fórum entre vocês, podem fazer perguntas

a serem respondidas pelo professor ou

pelo tutor, depois vamos fazer um encontro preparatório

e no final do processo, fisicamente, na

aula, a gente vai dar a cereja do bolo. E como a

gente faz isso com qualidade? A educação, hoje,

abriga o presencial, o presencial apoiado por

tecnologia, o blended, o online tutorado, o online

puro. O professor pode “temperar” o seu modelo

com isso tudo, da forma que lhe sirva melhor.

 

Quais são os indicadores de qualidade em um

curso online?

Stavros – Para começar, o modelo pedagógico

tem de ser sustentável. Eu tenho que ser capaz

de usar uma folha de papel e um lápis para

construir a pedagogia do negócio. E depois arquitetar

a logística para executar esse modelo.

Não adianta, por exemplo, sem crítica nenhuma,

dizer… nós usamos second life porque o

aluno é tímido. Na minha instituição, nós nunca

usamos second life. O custo não compensa. É

complexo, é surreal em termos de infraestrutura,

fora aqueles problemas de vinte anos atrás…

o cara fala oi e você não ouve, ouve eco. Eu vi

muito dinheiro desperdiçado de universidades

públicas; na Austrália, por exemplo, porque

o educador achava que com o avatar o aluno

perde a timidez. Melhor contratar um psicólogo

que sai mais barato.

 

O curso a distância é melhor quando a instituição

oferece a mesma formação no presencial? Há relação

entre as duas modalidades?

Stavros – O mínimo que acontece é o virtual

contribuir para melhorar a qualidade do conteúdo

presencial. Porque um curso presencial

requer um coordenador pedagógico e um

professor, que trabalham e geram uma grade

de materiais. Depois, como eu te disse, o que

acontece e na sala é Deus e o camarada. No

online, é necessário ter um arquiteto pedagógico

que pega o conteúdo, fazer um desenho

instrucional, e também envolver web designers,

pessoal de solução de recursos e toda a parte

técnica. Os atores – além desses que vão transformar

o conteúdo para online – pode ser um

professor-tutor ou o professor e mais um tutor.

Perceba como mudou a característica do que

é fazer um curso. O que eu tenho visto é que

quando há essa preocupação com o presencial

e também se oferta online, o professor do presencial

passa a usar os materiais do online.

 

O que muda, na prática, para o professor?

Stavros – Muita coisa. Mas, com planejamento,

tudo se resolve. O online é diferente de uma aula

presencial, quando o aluno levanta a mão com

uma dúvida e o professor se dá conta de esqueceu

de mencionar um detalhe e complementa

na hora. No virtual, não se pode esquecer nada

ou pode-se esquecer muito menos, pois o aluno

não pode ficar no ar diante de uma interface mal

feita. Planejamento é palavra-chave. Também é

importante ajudar o aluno a desenvolver habilidades

de relacionamento, coisa que nem sempre

ocorre na aula presencial. É o que a gente

chama de soft skills. Para o aluno melhorar suas

habilidades de trabalhar em grupo, de ser flexível,

de ter domínio das ferramentas. Ele vai ter

que ler e escrever muito mais, por isso vai apurar

a leitura e a escrita. E tem os componentes

de cidadania digital, principalmente no ensino

básico, quando você vai construir um novo cidadão.

Esse é o papel do professor que a gente

falou que não mudou. Ele tem novos valores a

transmitir, ensinar o aluno a ter visão sistêmica,

a gerir tudo como se fosse um projeto, a

ter pensamento crítico. E transformar o aluno

em um pesquisador.

 

Qual o perfil do estudante a distância?

Stavros – No passado recente, era o aluno que

queria uma formação continuada e não tinha

condições ou mobilidade para frequentar um

curso presencial. Normalmente, são mais mulheres

que fazem cursos online, até nos gratuitos.

A idade tem caído bastante. Em 2007,

2008, era de 35 a 40 anos. Hoje tem gente que

opta por sua primeira formação ser online. Até

porque ficou mais fácil. Você tem uma facilidade

enorme com os padrões, os sistemas dispõem

de um uma espinha dorsal onde dá pra

pendurar um monte de coisas. O uso de vídeos

reduz a necessidade de ter textos elaborados.

E, por pior que seja a educação digital do aluno,

ele é mais intuitivo, não precisa mais de muita

orientação na tela. Em 2003, a FGV criou um

personagem que acompanhava a navegação

do estudante, tela a tela, mostrando o que fazer.

Nas humanas, era um bonequinho do Freud;

o Einstein, para as exatas. Esse tipo de coisa,

hoje, é maçante. O personagem foi muito reduzido

porque mudou o perfil de usabilidade.

 

De onde vêm os conteúdos? As próprias instituições

desenvolvem ou contratam empresas?

Stavros – As duas coisas. Tem gente que monta

suas próprias equipes. Aqui na FGV, além de

formar nossas equipes, já formamos muita gente

para o mercado. Já tive que aumentar salários

porque estava perdendo bons funcionários

para a concorrência! O problema da terceirização

para as fábricas de conteúdo é que podem

ter a pirotecnia que for… se não tiver conteúdo,

não vai adiantar. O ponto central são aquelas

80, 90 páginas que o autor vai trazer para transformar

para o online. O que você não pode é

estragar esse conteúdo. Algumas empresas fazem

isso muito bem. Outras, nem tanto. Olha

o caso de uma empresa supercompetente nas

ferramentas, que não tinha conteúdo e queria

adicionar valor. O que eles fizeram? Começaram

a contratar palestrantes de nome para usar esse

conteúdo na tecnologia que eles têm. Como

você vê, o tiroteio é para todo lado.

 

Produzir conteúdo de qualidade é caro e trabalhoso.

É por isso que a maioria dos recursos disponíveis

são videoaulas?

Stavros – Sem dúvida, é muito caro. O vídeo se

intensificou, com certeza. E, de novo, tem que

ter preocupação pedagógica. Aí vem a parte de

como estruturar a gestão do conteúdo: organizar

bem, ter temporalidade, tesauru, organizar

de forma a ter um material modular e ganhar

escalabilidade. Essa é a vantagem de intensificar

o EAD principalmente na área pública. Se

eu tivesse que lutar por algo, e eu sei que é algo

muito difícil, eu lutaria para que todo conteúdo

desenvolvido por instituições tivesse, por lei,

padrões claros de REA. Seriam conteúdos com

padrão, que cada um pudesse mexer, atualizar,

customizar com uma curadoria em torno disso e

a parte regional ficaria aberta para que cada um

acrescentasse o que quisesse.

 

Infraestrutura é o maior desafio para a universalização

de EAD no Brasil? Dependemos da massificação

da banda larga?

Stavros – Não há dúvida de que infraestrutura

é fundamental. Se a gente olhar para o governo

acabando com os programas, para a falta integração

entre os ministérios das Comunicações,

da Ciência e Tecnologia e da Educação… Essas

pautas hoje estão debaixo do mesmo guarda

chuva.

A gente precisa sensibilizar quem dá

continuidade ao processo nos governos. Mas,

independente dessa discussão, que é política,

acho que também falta visão para arquitetar

as soluções disponíveis. Nós temos bandas de

satélite que não são usadas de madrugada. A

banda KU, por exemplo, ninguém usa mais por

conta da instabilidade. Mas é viável para mandar

conteúdo e criar redes locais independentes,

para que haja treinamento, enquanto não

se ilumina o país. Não temos internet adequada,

nem com velocidade, nem com custo adequados.

E não teremos durante um bom tempo!

Porque os grandes provedores disputam

os mercados desenvolvidos e ganham dinheiro

com os mercados em desenvolvimento.

 

Ensino a distância pode ser uma forma eficaz de

universalizar e qualificar o acesso à educação?

Stavros – Esse desafio é enorme e bonito porque

representa a oportunidade de democratizar

o processo. Porém, se os governos e as instituições

de ensino – públicas e privadas, que têm

de estabelecer suas estratégias – não colocarem

EAD como elemento de visão estratégica, para

transformar o ensino a distância em política

pública, plano de ação, projeto, dificilmente a

gente vai conseguir aproveitar essa oportunidade.

Estamos pressionando pela aprovação do

Marco Regulatório, em discussão no Conselho

Nacional de Educação. Esse marco traz avanços

para a expansão do EAD de qualidade

 

Já houve uma inciativa. A Universidade Aberta do

Brasil (UAB), que enfrenta uma crise.

Stavros – A UAB está em crise, e é uma pena.

A UAB tentou não cometer os erros das universidades

abertas de outros países, que tinham

um grande contingente, e poucos se formavam.

Tentou atuar na aceleração de formação,

principalmente de professores. Mas é preciso

esclarecer que a UAB não é uma universidade

aberta. Como falar em universidade aberta se

existem conteúdos fechados e exame de entrada?

O conceito de universidade aberta é quando

o cara chega e fala ‘eu quero estudar’, e você

fala ‘tá, o que você quer fazer?’. O que nós temos,

então, é um consórcio criado para ampliar

os cursos de pedagogia e formar professores.

Isso não é universidade aberta. O que eu penso

é que, enquanto o ensino a distância for o “puxadinho”

da instituição pública federal, não tem

como ir pra frente. Os professores estão mesmo

sem condições de trabalho, sem formação necessária,

sem remuneração condizente. Como

dizer a um professor ‘agora você também vai ter

que trabalhar com tecnologia’? Ele me diz: ‘no

meu contrato, tá escrito que eu tenho de fazer

isso aqui. Por que eu vou sair do meu quadrado?’

Então, que incentivo o professor tem? Não

dá para introduzir o sistema sem fazer adequação

da estrutura, para que a mudança seja absorvida

como um processo novo.

 

Um cidadão com banda larga popular consegue

fazer um curso online?

Stavros – Sim, consegue. Olha, antes do ano

2000 eu fazia chat via linha discada. Tinha

aluno até em Xangai. Quando lancei os cursos

gratuitos na FGV, o intuito era alcançar quem

não tinha condições de fazer os cursos pagos

da fundação. E eram cursos de curta duração,

de 8h a 40h, e-learning e sem tutor. Ou seja:

campeão, tá aí o conteúdo, se vira! O Brasil inteiro

acessava.

 

E vai até o fim? A evasão em EAD continua alta?

O problema é metodologia ou tecnologia?

Stavros – A evasão ainda é alta. Mas o problema

não é o aluno, é o que se dá para o aluno. Não

existe esse conceito de que o online não educa,

educa mais ou menos, a interação não é igual…

O networking, inclusive, é mais dinâmico. Uma

vez, em uma palestra, um estudante me abordou,

com uma angústia de sua experiência de

pós em EAD em uma instituição federal. Ele

disse que demorava uma semana para receber

resposta do professor. Na FGV, o tutor tem

24h para responder uma pergunta. A média

de resposta, aqui, é de seis a oito horas. E tem

uns muito malucos que respondem instantaneamente.

Ou seja, o problema não é o sistema.

Provavelmente, no curso daquele rapaz não estava

previsto uma semana para respostas, mas

ninguém devia acompanhar o tutor para checar.

Outro exemplo: cinco anos atrás, uma empresa

que tinha presença no Brasil todo queria fazer

um curso nosso de especialização. No Norte,

havia turmas em que apenas duas pessoas eram

aprovadas – a média era 95% de aprovação, não

2 em 40, ou 2 em 50. Verificamos um problema

cultural, de adaptação à cultura online. O que a

gente fez? Estendemos o prazo dessas turmas,

para dar mais tempo aos alunos.

 

O mercado de trabalho ainda tem resistência à

formação a distância?

Stavros – Tem diminuído bastante. Recentemente

vi uma pesquisa que mostrava o aluno de EAD

com 81% mais formação que o aluno do presencial;

e 78 % mais empregabilidade, em algumas

áreas. Claro que ainda há resistência, e casos

absurdos, como o da Federação Nacional de

Serviço Social, que boicota candidatos formados

a distância. Mas são exceções. Me diga… quem

é o contratante de RH, hoje, usuário de computador,

tablet, smartphone, que tem coragem de

rejeitar o sujeito que aprendeu usando essas

ferramentas? Quem faz isso está fora do mundo!

O importante é o que o cara sabe ou onde ele

aprendeu? Em países onde a cultura EAD já está

implantada, como Canadá, Espanha, Alemanha,

o profissional com formação a distância é até

mais valorado. Por conta dos soft skills que eu

mencionei antes – é um profissional disciplinado,

obstinado, que usou a flexibilidade pra se formar,

trabalha melhor em grupo etc. Eu diria que o

mercado não está “aceitando EAD”. Está aceitando

um profissional que demonstra a mesma

capacitação, ou às vezes melhor do que outro,

que fez um curso presencial.