Artigo de Isaac Roitman, professor emérito da UnB e membro titular da ABC
O Brasil, ao contrário dos chamados países centrais, não tem a tradição de elaborar e desenvolver projetos de longo prazo. Em algumas dimensões, como energia, habitação, recursos hídricos, competitividade, educação, ciência, tecnologia e inovação, são fundamentais o estudo prospectivo e a elaboração de possíveis cenários que possam inspirar ações e metas que irão beneficiar as futuras gerações de brasileiros. O que temos, quando temos, são projetos de 04 a 08 anos de duração e que em geral não são concluídos em sua integralidade.
A continuidade pode ser considerada como um conceito sem muito sentido em uma longa escala de tempo, digamos de milhões de anos. No entanto na escala de anos ou décadas o conceito não é só válido como fundamental, particularmente na implementação de políticas públicas. A descontinuidade nessas políticas são temas persistentes na vida política brasileira e tem sepultado iniciativas louváveis. Ela emerge com maior intensidade na troca de governos, principalmente quando o segmento político é substituído. Nessas circunstâncias geralmente o preenchimento de cargos de confiança disponíveis são direcionados para atender aos compromissos políticos partidários. Esse tipo de procedimento pode ser encarado como uma doença mortal e precisa de um tratamento de choque para ser eliminada. Para que as políticas não sejam interrompidas a cada mandato, é necessário o compromisso pela continuidade dos projetos de longo prazo e a vigilância constante por parte da sociedade civil organizada.
Na educação, ciência, tecnologia e inovação, historicamente, tivemos muitos altos e baixos. Quantas iniciativas para erradicar o analfabetismo já foram feitas sem conquistarmos essa meta que nos envergonha e que afeta a vida de milhões de brasileiros? Quantas promessas já foram feitas para proporcionar uma educação básica de qualidade a todas as crianças brasileiras? Quantos altos e baixos já testemunhamos nas agências federais e estaduais de fomento à ciência? Quantas iniciativas frustradas foram feitas para facilitar a aquisição de insumos e equipamentos para laboratórios de investigação científica? Cada leitor poderá certamente estender essa lista de anseios fracassados.
Uma educação de qualidade e o pleno desenvolvimento científico e tecnológico são prioridades para que possamos atravessar o século XXI visando um bem estar para todos os brasileiros. Iniciativas de natureza populista não têm vida longa e não desempenham um papel importante para as transformações que o País demanda.
Penso que chegou a hora de formularmos políticas de longo prazo que não sejam vinculadas ao jogo do poder que são produzidas por atores que disputam o Estado e que levaram historicamente para a exclusão social. O caminho mais rápido seria proporcionar uma educação básica que proporcione uma base de ciência e tecnologia emoldurada por princípios éticos universais do ser humano como pregava Paulo Freire: “O progresso científico e tecnológico que não responde fundamentalmente aos interesses humanos, às necessidades de nossa existência, perdem, para mim, sua significação. A todo avanço tecnológico haveria de corresponder o empenho real de resposta imediata a qualquer desafio que pusesse em risco a alegria de viver dos homens e das mulheres”.
Uma política de estado na educação e no desenvolvimento científico e tecnológico devem considerar os conhecimentos como patrimônio da humanidade e não monopolizados pelos países dominantes ou corporações empresariais. Esses avanços devem ser direcionados a uma transformação social. As instituições de pesquisa e as universidades públicas não devem ser administradas como parte da burocracia governamental. Elas precisam dispor da flexibilidade necessária para definir suas prioridades, buscar recursos em diferentes fontes públicas e privadas e adotar suas próprias políticas de pessoal.
O desenho prospectivo ou de visão de longo prazo com alto sentido de antecipação e construção de futuro é pertinente em um futuro de crescentes incertezas. Por exemplo, se não somos capazes de formar pessoas antecipando a possível futura dinâmica internacional do novo paradigma tecnológico (que surge da combinação entre biotecnologias, nanotecnologias e ciências da informação), perderemos a possibilidade de acelerar a redução da brecha com os países desenvolvidos. Oxalá os nossos atuais e futuros governantes possam pensar menos no imediatismo para não comprometer o futuro das próximas gerações.