Muitas nações conseguem obter substancial impacto econômico com atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em ciência e tecnologia (C&T). No Brasil há muitos casos reconhecidos e claramente a economia brasileira sem P&D seria muito mais atrasada e frágil. Exemplos: produção de energia, extração de petróleo, o maior caso mundial de uso extensivo de bioetanol para transporte, equipamentos e sistemas para telecomunicações, aviões, serviços de software e informática, a agricultura e a pecuária, que fazem do País o celeiro do mundo, todos criados por gente que estudou em nossas melhores universidades, trabalhando em empresas inovadoras. Esses sucessos mostram que vale a pena buscar continuamente os caminhos que façam a economia cada vez mais competitiva, pois vários países parecem obter mais impacto econômico de P&D que nós.
Nos países que têm conseguido os maiores efeitos da pesquisa em sua economia há intensa atividade de P&D realizada por empresas. Essa característica é frequentemente esquecida no debate brasileiro, no qual se consideram universidades como o único lugar da pesquisa. Esse engano prejudica as estratégias nacionais, pois desvia o foco do real problema: a debilidade das atividades de P&D em empresas no País.
Nos EUA, dos US$ 456 bilhões aplicados em P&D em 2013, 71% (US$ 323 bilhões) foram executados por empresas. Desse total o governo federal entrou com apenas 9%, o restante foram recursos das próprias empresas. Na Coreia do Sul, dos US$ 68 bilhões (PPP) aplicados em P&D, a fatia empresarial foi 78% (US$ 53 bilhões – PPP). Na Alemanha o porcentual empresarial representou, no mesmo ano, 68% do total; no Reino Unido, 64%; e na China, 77%.
No Brasil, em 2013, a participação de empresas no dispêndio em P&D foi apenas 40% do total nacional, de US$ 40 bilhões PPP (indicadores do MCTI em https://goo.gl/cRveWf). Pior, o porcentual empresarial vem caindo: em 2000 foram 47%. Indicadores de C&T do MCTI mostram que em 2000 havia 44.183 pesquisadores trabalhando para empresas. Em 2010, após uma década de esforços de apoio e incentivos, esse número caiu a 41.317, parecendo refletir a queda precoce da participação da indústria no PIB nacional.
Enquanto cada vez mais lideranças empresariais defendem a necessidade de mais P&D e inovação, as regras da economia brasileira criam um ambiente hostil para tal. Não são só crises ética, fiscal, política e econômica instaladas nos últimos anos. Trata-se, além e antes disso, de protecionismo em excesso, do fechamento da economia, da autoexclusão do Brasil dos grandes acordos comerciais mundiais, dos altos custos trabalhistas, da complexidade tributária, que beira a irracionalidade. O baixo esforço privado em P&D no Brasil não é resultado – como é comum ouvir no meio acadêmico – de certo desvio de conduta das lideranças empresariais; é a resposta lógica a uma economia em que a tecnologia raramente é determinante para a posição da empresa no mercado.
Ao lado do tímido esforço de P&D empresarial, um óbice adicional à realização de mais impacto econômico é a falta de ousadia das empresas, que, em geral, se concentram em atividades adaptativas locais. Veja-se o número de patentes internacionais que as empresas no Brasil obtêm. A revista Pesquisa Fapesp(https://goo.gl/jmkUE7), tratando exclusivamente de patentes obtidas por empresas (não universidades ou institutos), mostra que, de 2011 a 2015, para cada 10 mil pesquisadores empregados as empresas do Brasil obtiveram 32 patentes no Escritório de Patentes dos EUA (USPTO). Para as empresas da China, os mesmos 10 mil pesquisadores criaram 47 patentes; na Coreia do Sul, 519; na Alemanha, 648; e nos EUA, 1.082. No Brasil, entre os 10 maiores solicitantes de patentes há apenas 3 empresas (sendo a primeira uma multinacional), os outros 7 são universidades e institutos de pesquisa. Nos EUA, entre os 10 maiores solicitantes, 10 são empresas; na Alemanha, 9.
Outro equívoco comum no debate brasileiro sobre impacto da pesquisa é supor que a pesquisa colaborativa com universidades será uma peça essencial para superar esse quadro. A colaboração com universidades e laboratórios públicos é importante e tem sido muito estimulada, mas vai bem além da pesquisa colaborativa, seja na formação de pessoal, seja no acesso ao conhecimento público produzido pela pesquisa acadêmica. Nos EUA, dos US$ 270 bilhões gastos por empresas (de seus próprios recursos) para P&D, apenas 1,3% foi dirigido a contratar P&D em universidades. Não é a colaboração com universidades, sozinha, que faz a empresa dos EUA ser inovadora, é o esforço próprio das empresas em seus laboratórios e centros de P&D, onde empregam gente educada nas universidades.
Universidades podem ser determinantes para criar impacto econômico na sociedade e para isso é preciso uma instância mediadora ligada ao mercado, a empresa. Podem ser empresas já bem estabelecidas com vigorosos esforços próprios de P&D ou empresas iniciadas por estudantes ou professores universitários, também com esforços próprios de P&D. Para criar prosperidade empresas precisam de pessoas capazes de ter ideias e de desenvolvê-las – pessoas educadas em universidades com referenciais acadêmicos elevados e atividades intensas de pesquisa, onde desenvolvem sua capacidade intelectual e aprendem a enfrentar problemas usando o método da ciência.
Sem empresas com expressiva atividade própria de P&D o Brasil não conseguirá ser competitivo e criar riqueza com base em conhecimento. Para que as empresas no País possam dedicar-se à inovação é necessário um ambiente econômico que favoreça a competição. Não se trata apenas de haver incentivos explícitos, subvenções e financiamentos, trata-se de algo bem mais sofisticado e complexo: criar no País, para o bem do interesse público, um ambiente estimulante à inovação empresarial.
*Diretor Científico da Fapesp